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A lei do uso comum

Pr. Davis W. Huckabee

Essa lei está ligada à lei anterior, mas não é a mesma coisa, pois podemos aprender mais acerca do significado de uma palavra observando como é comumente usada. Muitas vezes ao observar todas as vezes em que determinada palavra aparece no Novo Testamento, vemos com que ela lida negativamente ou positivamente e a plenitude de seu sentido. Para citar uma ilustração: a palavra grega kosmos tem o sentido básico de ordem, arranjo, ornamento, adorno. É traduzida "mundo", em todas as 188 vezes em que aparece, exceto em 1 Pedro 3:3, onde é traduzida literalmente "enfeite". Muitas pessoas erroneamente presumem que essa palavra sempre e sem exceção se refere a toda a humanidade, mas tal não é o caso, pois um exame cuidadoso de todas as vezes em que ela aparece mostra que tem pelo menos treze aplicações diferentes. Portanto, ninguém pode com justiça interpretar qualquer texto usando kosmos se não levar isso em consideração e cuidadosamente estudar o contexto para apurar ao que é biblicamente aplicado. Deve-se temer que a negligência de fazer isso vem promovendo muita falsa doutrina.

Ou para citar outro exemplo: Embora não tão comum hoje como eram há duas gerações, muitos pregadores tinham o costume de entrar em debates acerca de assuntos religiosos. A justificativa para esses debates era que raciocinava-se que embora nenhum dos dois debatedores pudesse ser influenciado ou mudado de sua posição, porém os que escutavam e observavam os debates poderiam aprender doutrina, e alguns, talvez, até mesmo se converter através disso. Isso soa lógico e bom.

Mas quando consideramos todas as vezes em que aparece a palavra grega traduzida "debate" (eris), vemos que jamais é usada num bom sentido. De modo oposto, Paulo a denomina obra da carne, que é condenada. "Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias [grego eris = debate]", etc. (Gálatas 5:19-20). E em Romanos 1:29 Paulo descreve os homens a quem Deus entregou a uma mente pervertida, para fazer aquelas coisas que não são convenientes, tais como estar "cheios de toda iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda (eris), engano, malignidade;" etc. De novo, ele pergunta em 1 Coríntios 3:3: "Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas [eris = debate] e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens""

Certamente não podemos visualizar como sendo boa qualquer coisa que ande em tal má companhia, como acontece com essa palavra, e achamos impossível ver qualquer coisa boa vindo daquilo que a Palavra de Deus declara que é uma marca de carnalidade. Isso só mostra como uma idéia errônea pode ocorrer quando o uso comum de uma palavra do Novo Testamento não é considerada e todos os seus usos comparados. Assim, muitas vezes nos esquecemos do aviso de 2 Coríntios 10:5, "Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo;".

Isso nos leva a considerar outra prática errada que é muito comum entre o povo do Senhor, e essa prática é fazer com que o bom senso comum seja o juiz e júri quanto ao que é certo numa interpretação ou prática. Já que "comum" significa aquilo que todos têm em comum, e as Escrituras muitas vezes nos avisam que a maioria da humanidade não é salva, nem espiritual, nem consciente da verdade, podemos ver o perigo de seguir o "bom senso comum" em assuntos espirituais. Se substituirmos o "bom senso comum" pelo "sentido e uso comum" de uma palavra no Novo Testamento, só poderemos esperar terminar em confusão. Na melhor das hipóteses, o "bom senso comum" é apenas raciocínio humano, no qual jamais se pode depender quando o bom senso se afasta do veredicto autorizado da Palavra. Paulo foi inspirado a mandar o povo do Senhor sujeitar todas as imaginações do homem à mente de Cristo, que é só conhecida através da Palavra de Deus, 2 Coríntios 10:4-5.

Pelo fato de que a mente humana foi afetada pela queda do homem no pecado no Jardim do Éden, não se pode jamais confiar totalmente na mente até que a carne seja redimida na volta do Senhor. Até então, mesmo os cristãos precisarão constantemente ser renovados na mente, Romanos 12:2; Efésios 4:23, e eles jamais podem confiar em sua própria capacidade de raciocinar para interpretar a Palavra. Precisamos permitir que as leis já consideradas nesta série tenham impacto pleno sobre o sentido e uso comum de uma palavra, ou então o erro certamente ocorrerá.

Nós nos aventuramos a dar outro exemplo da tolice de se afastar do uso comum de uma palavra " neste exemplo, o uso universal de uma palavra " e de substituir o raciocínio humano no seu lugar. Em Mateus 13:33 Jesus disse: "Outra parábola lhes disse: O Reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado". Soltando as amarras do ancoradouro do uso comum, e dando liberdade para a imaginação, os homens têm concluído que aqui fermento era um tipo do Evangelho, que, assim pensava-se, ao ser introduzido no mundo, logo se expandiria no mundo inteiro, e faria com que todas as pessoas se tornassem cristãs. Essa interpretação foi dada como um meio de justificar uma falsa doutrina " o erro do pós-milenialismo, que só se pode aceitar mediante uma interpretação incorreta dos ensinos simples da Palavra de Deus. Chegou-se a essa conclusão sobre o sentido do fermento aqui apesar do fato de que o fermento (grego zume) jamais é usado num bom sentido, mas sempre num sentido maligno nas Escrituras. O uso comum dessa palavra é totalmente contra a interpretação de que o fermento aqui é um tipo do Evangelho, mas alguns homens que, em outros aspectos são bons e firmes, têm sido desencaminhados porque ignoraram essa Lei do Uso Comum. "Fermento" aparece quinze vezes no Novo Testamento, mais um número ainda maior de vezes no Antigo Testamento, e com a exceção da vez em que aparece em Mateus 13:33 e na passagem paralela de Lucas 13:21, é sempre como algo que se deve evitar, e os crentes recebem ordens de removê-lo. E esses dois textos não são exceções ao uso comum, pois ensinam a mesma verdade, exceto que aqui "fermento" é usado como uma representação ou metáfora. Referência a Mateus 16:12 revela com que intenção se tipifica o fermento na parábola de Jesus. "Então compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus".

A intenção da parábola de Jesus era mostrar, não os efeitos extensivos do Evangelho no mundo inteiro, mas em vez disso os efeitos extensivos e corruptores da doutrina falsa. Nas Escrituras, muitas vezes a mulher é usada para tipificar um sistema moral ou religioso, bom ou mau. Veja o aspecto mau descrito em Apocalipse 17:1. Nessa parábola a mulher representa um falso sistema religioso que introduz falsa doutrina no mundo religioso com o resultado de que o reino terreno do céu é pervertido. É exatamente isso o que aconteceu, começando no segundo e terceiro séculos, e o resultado foram todas as falsas igrejas do catolicismo e protestantismo. Todas as parábolas em Mateus 13 que antecedem à parábola do versículo 33 haviam predito somente um sucesso limitado na semeadura da semente porque o diabo mandaria obreiros maus para introduzir ervas daninhas (religiosos não salvos) no meio da boa semente, e essas seriam misturadas no reino do céu para seu grande prejuízo. Ter agora uma parábola que mostre expansão e sucesso quase universal do Evangelho seria uma contradição gritante do tema inteiro dessa série de parábolas, as quais estão todas inter-relacionadas, e harmoniosas em seus ensinos. Mas interpretação contra as representações, parece, não tem nada de errado para alguns intérpretes se a representação confirmar seu falso sistema de doutrina que não se poderia confirmar de outro modo. Mas tal é contrário a toda interpretação correta da Bíblia.

"O princípio da fermentação que lhe é inerente o torna o símbolo de corrupção, pois a fermentação é o resultado da maldição divina sobre o universo material por causa do pecado. Sempre na Bíblia, o fermento fala do mal em algum forma" Em Mateus 16:12, o fermento fala da doutrina diabólica em sua forma triplicada de farisaísmo (externalismo na religião), saduceísmo (ceticismo acerca do sobrenatural e das Escrituras) e herodianismo (mundanismo)". " Kenneth S. Wuest, Word Studies In The Greek New Testament (Estudos da Palavra no Novo Testamento Grego), Vol. I, p. 162.

Essa necessidade de considerar o uso paralelo de uma palavra ao interpretar as Escrituras é mostrada em 1 Coríntios 2.12-13: "Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais". Aqui observamos várias coisas pertinentes sobre a interpretação das Escrituras. (1) É somente mediante o Espírito Santo que podemos entender as coisas de Deus. (2) Ele foi dado "para que pudéssemos conhecer" etc., o que dá prova de que é a vontade de Deus que Seu povo tenha consciência da verdade que está guardada nas Santas Escrituras. (3) Não se aprende essas coisas através das palavras da sabedoria humana, mas somente através das palavras da sabedoria divina. É por esse motivo que precisamos guardar as palavras que a sabedoria humana deu em vez de substituir os termos e sinônimos humanos onde for possível. (4) Finalmente, esse entendimento das coisas de Deus ocorre somente "comparando as coisas espirituais com as espirituais". É isso que queremos enfatizar " a comparação de todos os usos de determinada palavra ou doutrina nas Escrituras é o modo divinamente ordenado de interpretar a Palavra. Uma das formas mais comuns de apresentação da Bíblia é o paralelismo " a colocação de duas declarações em paralelo uma com a outra a fim de compará-las, ou contrastá-las, assim definindo-as com mais clareza por cada parte explicando a outra.


Autor: Davis W. Huckabee
Tradução: Júlio Severo
Revisão e Edição: Joy E Gardner e Calvin G Gardner

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