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Movimento G-12: Uma Nova Reforma ou Uma Velha Heresia?

Jôer Corrêa Batista*


Não foi surpresa! Aliás, era até mesmo previsível. Dada a situação em que se encontram os púlpitos e, em conseqüência, o ensino em muitas igrejas evangélicas, era de se esperar que a qualquer hora uma nova onda viesse agitar o mar calmo da negligência pastoral. O surgimento de um novo movimento ou onda denominado G-12 não foi em nada surpreendente. Reunindo várias doutrinas há muito conhecidas dos evangélicos, o G-12 apresenta-se como a proposta eclesiástica do próximo milênio. A julgar pelo conteúdo doutrinário, não há quase nada no G-12 que mereça uma nova análise, posto que já foi abundantemente estudado. O que tem surpreendido é a rapidez e facilidade com que a onda se espalha entre as igrejas, inclusive históricas, e as estratégias psicológicas usadas nos encontros.

A maioria dos participantes desconhece a origem do movimento, bem como suas propostas. Fascinados pelo impacto emocional e o aparente resultado imediato, vêem o G-12 como a esperança de se alcançar a unidade da igreja e uma reforma estrutural. Segundo alguns proponentes, o modelo eclesiástico denominado células é uma Segunda Reforma, nada perdendo em intensidade para a Reforma Protestante do Século XVI.1 O propósito deste artigo é demonstrar que G-12 não traz uma nova reforma, mas sim, velhas doutrinas como teologia da prosperidade, confissão positiva e maldição hereditária, entre outras.

Assim, o que se propõe é verificar a origem e as propostas doutrinárias do movimento, com base em suas próprias afirmações. Não nos dedicaremos aqui a discutir as questões metodológicas dos encontros. Apesar da importância dos mesmos, o foco central tem sido negligenciado nas discussões quando estas giram somente em torno das questões técnicas e psicológicas dos encontros. Este é apenas um componente do complexo movimento G-12.

I. História

Todos os proponentes do modelo G-12 admitem que o movimento teve seu início com a visão recebida por César Castellanos Domínguez.2 Castellanos é pastor da Missão Carismática Internacional, que ele fundou depois de um período de frustração com o seu próprio ministério. Desiludido com os resultados do seu trabalho, ele aplicou o modelo de igrejas em células de Paul Young Choo, alcançando resultados mais satisfatórios. Porém, em 1991, segundo as suas próprias informações, ele recebeu uma visão que iria mudar definitivamente o seu ministério e a sua igreja. Conforme ele relata:

Em 1991, sentimos que se aproximava um maior crescimento, mas algo impedia que o mesmo ocorresse em todas as dimensões. Estando em um dos meus prolongados períodos de oração, pedindo direção de Deus para algumas decisões, clamando por uma estratégia que ajudasse a frutificação das setenta células que tínhamos até então, recebi a extraordinária revelação do modelo dos doze. Deus me tirou o véu. Foi então que tive a clareza do modelo que agora revoluciona o mundo quanto ao conceito mais eficaz para a multiplicação da igreja: os doze. Nesta ocasião, escutei ao Senhor dizendo-me: Vais reproduzir a visão que tenho te dado em doze homens, e estes devem fazê-lo em outros doze, e estes, por sua vez, em outros! Quando Deus me mostrou a projeção de crescimento, maravilhei-me.3

Após ter implantado o modelo, a Missão Carismática Internacional experimentou um surpreendente surto de crescimento. Isto chamou a atenção de líderes no Brasil, os quais, movidos pelo interesse de alcançar crescimento semelhante, implantaram o modelo em suas comunidades e o têm difundido entre as igrejas evangélicas brasileiras.

Dois aspectos precisam ser observados quanto à implantação do movimento no Brasil. Primeiro, a chamada Igreja em Células, como estratégia de crescimento da igreja, não é nova no Brasil, tendo sido aplicada há vários anos. Então, qual seria o fator determinante para o crescimento? Aponta-se como elementos distintivos e, portanto, determinantes, o número exato de doze discípulos e os encontros de três dias.4 Nota-se assim porque tais elementos do modelo são os mais enfatizados. Em segundo lugar, é importante observar que, ao ser implantado no Brasil, tanto o Modelo G-12 como o Encontro foram adaptados, passando por modificações como, por exemplo, o sigilo do Encontro (ou Pacto de Legalidade e Silêncio), que é característica peculiar ao modelo brasileiro.

Os principais proponentes do G-12 no Brasil são Valnice Milhomens e Rene Terra Nova, ambos considerando-se legítimos discípulos de César Castellanos. Valnice afirma ter recebido autoridade por delegação de Castellanos.5 Terra Nova, semelhantemente, diz exercer tal autoridade espiritual por delegação do mesmo Castellanos.6

II. Funcionamento

Apesar das diferenças existentes no movimento, alguns pontos básicos são comuns. O modelo é estruturado a partir de uma dinâmica definida como Escada do Sucesso.7 Em suma, o processo pode ser resumido em quatro etapas:

Evangelização

Consolidação

Treinamento

Envio

A Evangelização acontece nas células, que têm como referencial o número 12. Assim, quando uma célula alcança o número de 24 pessoas em suas reuniões, ela se subdivide. A outra característica é que, a princípio, a célula ocupa o papel de ensino e formação da igreja, restando ao culto comunitário o papel de celebração.

Consolidação é a etapa na qual a fé do indivíduo é alicerçada ou definitivamente assegurada. É nesta etapa do processo que o Encontro é realizado. Desta forma, fica evidente que o propósito do Encontro não é primariamente a evangelização, sendo inclusive recomendado que se certifique a conversão do candidato antes de sua participação.8 Basicamente, o Encontro tem dois objetivos. Primeiro, efetivar a fé do novo convertido, através de libertação e quebra de maldições. Em segundo lugar, conduzir à visão aquele que se converteu por métodos anteriores ao G-12, ou seja, fazer a transição do modelo eclesiástico antigo para o G-12. A isto denominam transicionar ou receber a visão. O Encontro é um retiro de dois dias e de natureza homogênea que ocorre durante um fim de semana, sendo precedido e seguido de quatro reuniões, normalmente semanais (pré e pós-encontro). São nove horas de palestras acompanhadas de extremo rigor disciplinar, inclusive com proibição de intercomunicação, o que provoca uma forte reação emocional e resultados aparentemente surpreendentes.9

O Treinamento é realizado pela escola de líderes de cada igreja. Aqui são preparados os discipuladores que irão dirigir as células e executar o programa de discipulado. A tendência é de cursos breves de baixa qualidade. O objetivo é que cada participante ou seguidor do G-12 alcance os seus 144 discípulos. Por fim, ocorre o Envio, quando os líderes treinados assumem a liderança de grupos em células, sempre de 12 pessoas, as quais estarão em treinamento para assumirem liderança.

Quanto ao funcionamento, é importante observar ainda que o G-12 é um movimento que não propõe a filiação de seus participantes à igreja realizadora do evento. É possível ser um dos doze de algum discipulador e permanecer membro de uma igreja histórica que não tenha se enquadrado no modelo, por exemplo. Dessa forma, o movimento, através de seus Encontros, tem uma penetração mais eficiente no seio das igrejas, e permite aos líderes da região exercer controle sobre membros de outras igrejas sem que eles se desvinculem das mesmas.

III. Interpretação Bíblica, Revelações e Experiências Místicas

O movimento segue as tendências contemporâneas de interpretação,10 mais especificamente a subjetividade e relatividade na interpretação e aplicação dos textos bíblicos. De fato, tanto o Modelo como o Encontro parecem bíblicos, se considerarmos o volume de citações e alusões a textos bíblicos neles contidos.11 Naturalmente, os participantes e proponentes do modelo também afirmam que a sua base teológica é a inerrância das Escrituras, que são aceitas como regra de fé e prática. A diferença está em seus princípios de interpretação.

Três princípios podem ser observados. O primeiro implica na ambigüidade do entendimento dos textos. Em outras palavras, os textos são tratados de forma relativa, podendo adquirir significados múltiplos. Não se trata de um sensus plenior da passagem, mas de diversos sentidos dados a uma mesma passagem, que é entendida, assim, de forma ambígua.12

Por exemplo, em Habacuque 2.2 a palavra visão é entendida de diferentes maneiras, significando ao mesmo tempo a visão recebida pelo profeta Habacuque, visões literais recebidas atualmente pelas pessoas, e visões não-literais, mas que implicam em um desejo ou uma forte convicção, frutos da capacidade de projetar o futuro.13 Estes dois últimos sentidos são usados e justificados pelo texto de Habacuque e outros. Portanto, não é simples entender o que significa adquirir a visão conforme propõe o movimento. Pode significar o entendimento correto da Escritura, bem como desenvolver a capacidade de buscar objetivos ainda não concretizados ou, finalmente, abraçar a visão recebida por César Castellanos.

O Encontro e suas fases não são só para os novos crentes, mas também para líderes que querem implantar a visão de células de multiplicação e de grupos de 12. Para essa visão é necessário uma grande disciplina, disposição e acima de tudo experiência com o Senhor Jesus.14

O segundo princípio pode ser definido como uma espécie de hermenêutica freudiana.15 Mais que alegórica, ela é simbólica. Com base em um subjetivismo extremado, as passagens bíblicas são aplicadas dando-se aos detalhes significados teológicos e práticos, como vemos no Manual do Encontro:

“...Saíram, pois, da cidade e foram ter com ele” (Jo 4.30). É necessário sair para encontrar-se com Jesus... Saímos da cidade para termos um encontro com Ele. Abraão, Moisés, Jesus saíram da cidade. Nós precisamos sair da agitação para nos encontrarmos com Ele.16

Observe-se que, na tentativa de justificar o Encontro, o texto bíblico não foi apenas alegorizado, mas ganhou além de um significado teológico um sentido simbólico que expressa desejo, obediência e até mesmo fé. O Encontro incentiva, portanto, uma utilização simbólica da Escritura e reúne em torno de si um conjunto de ritos, práticas e procedimentos entendidos como bíblicos, mas de natureza mística.

O terceiro princípio é a subjetividade na aplicação, uma espécie de interpretação romântica da Bíblia.17 Por esse princípio, as perspectivas históricas e literárias são abandonadas e o centro da interpretação passa a ser a experiência subjetiva, intimista e mística do intérprete. Por esta via, todos os textos se aplicam a todas as pessoas, sob qualquer aspecto.

Nessa ocasião ouvi a voz de Deus, quando me disse que fosse ao Jordão para me batizar novamente, e inclusive me mostrou quem deveria fazê-lo: um missionário mexicano que logo me compartilhou que, quando sua mãe estava grávida, um profeta orou mostrando: Este menino que vai nascer terá o ministério de João Batista.

Quando saí das águas, senti literalmente no espírito que os céus se abriram e que Deus enviava seu Espírito.18

Essas práticas são comuns no movimento e demonstram uma aplicação da Escritura que cede sua objetividade à subjetividade pessoal e tendenciosa do intérprete. Neste caso, observamos que a Escritura é afastada de sua posição de única regra de fé e prática, e agora tal autoridade é compartilhada com as revelações recebidas pelos proponentes do G-12.

As mesmas regras de interpretação são aplicadas às revelações contemporâneas. A única base do Modelo G-12 é a visão e a revelação dadas a César Castellanos. Daí, tanto a fé como a vida cristã são conduzidas por revelações recebidas pelos líderes. Decisões práticas, como casar-se ou não, são tomadas por meios de visões ou revelações.

Recordo-me de situações tão concretas como a revelação do dia em que ela se converteria à vida cristã e o momento em que depois de pedir outros sinais, o Senhor me disse com voz audível...19

Desde aí tive o convencimento de que realmente Deus lhe falava (a César), que era um homem de fé, a quem o Espírito Santo comunicava as coisas de forma direta... Sempre desejei escutar a voz de Deus, da mesma maneira que meu esposo conseguia...20

Tais decisões são chamadas de decisões transcendentais21 e regem a vida cristã. A natureza mística das mesmas é definida de maneira precisa por César Castellanos: “A Missão Carismática Internacional é uma igreja eminentemente profética. Teria que sê-lo por duas razões: a primeira, seu início foi determinado por uma palavra profética dada diretamente por Deus a este seu servo...”22

Essa subjetividade subjuga a Escritura aos critérios humanos. As pretensiosas visões e revelações diretas determinam a doutrina da igreja e a conduta pessoal. Não há limites para a imaginação humana. Como afirma Valnice: “Deus trabalha com visões; onde não há visão não há obra. Todas as realizações começam com visões.”23

A este arsenal de revelações cotidianas, seguem-se inúmeros casos de experiências inexplicáveis de natureza mística. Ressurreições, arrebatamentos e cerimônias são detalhadamente descritos em obras dos líderes do movimento. Fazem parte do dia-a-dia da fé proposta pelos agenciadores do G-12. Não nos surpreende o dualismo presente nessas revelações, bem como nas suas interpretações. A surpresa advém do fato de que os líderes avocam para si uma credibilidade acima de qualquer crítica. O questionamento de suas experiências é quase sempre descrito como incredulidade e oposição a Deus. Observe-se a avaliação que Valnice faz de uma de suas visões, quando, segundo ela, Deus lhe mostrou duas igrejas, a fiel – Jerusalém – e a infiel – Roma.

Jerusalém representa o lugar onde a Palavra de Deus é integralmente obedecida, sem questionar, e o Espírito é o Senhor Absoluto na Igreja. Roma é o lugar da lógica, da razão, onde a filosofia vai construindo uma estrutura de raciocínio que leva ao questionamento da Palavra de Deus.24

Além de promover a separação entre a fé e a razão, fica evidente que a visão do líder é inquestionável. Em qualquer outra situação essa posição seria classificada como fanatismo.

IV. A Teologia do Modelo G-12

Como já dissemos a teologia do movimento e do encontro não nos trazem muitas novidades em termos de propostas, mas reeditam o conjunto de doutrinas propaladas pelo neopentecostalismo. Duas observações podem ser feitas a título de introdução. Em primeiro lugar, a inconsistência ou incoerência de suas doutrinas sequer é observada pelos seguidores do movimento, o que demonstra mais uma vez a fragilidade das igreja evangélicas. Em segundo lugar, o mérito do G-12 talvez seja ter levado algumas doutrinas do neopentecostalismo às últimas conseqüências.

A. Antropologia

Um bom ponto de partida para a análise do movimento é a sua antropologia. Sob a influência pós-moderna, o homem preconizado pelo G-12 é fruto do que David Herrero chama de espírito romântico,25 como ele mesmo descreve: “O Homem Romântico não é apenas inerentemente bom, mas é também divino. De acordo com a filosofia que permeia a antropologia romântica, entre Deus e o homem há uma identidade básica.”26

Pelas suas afirmações, César Castellanos deixa claro que a sua perspectiva do ser humano é fatalmente comprometida com esse antropocentrismo, se não dos demais, pelo menos de si mesmo. Ele afirma:

Experimentei meu espírito se desprendendo do corpo. Lutei; porém uma força invisível manejava minha alma. De repente, veio à minha mente a prova do mês anterior e recordei-me das palavras “não é hora!” Apropriei-me delas e disse: Senhor não é possível que tu permitas esta morte, não é hora, Tu precisas de mim na terra, dá-me forças para regressar ao meu corpo e poder levantá-lo em teu nome.27

Em outra ocasião o Espírito Santo lhe diz, após ele ter orado entregando a direção da igreja ao próprio Espírito:

E por que tardaste tanto para decidi-lo? Porque até agora tu eras o pastor e Eu teu auxiliar? Tu me dizias Espírito Santo abençoa esta pessoa e esta obra, abençoa o que vou pregar, abençoa a igreja e eu tinha que fazê-lo.28

Maior arrogância encontramos nas afirmações de Valnice: “Tudo que sai da boca de Deus é um decreto, pois emitido por uma autoridade, cuja palavra tem força de lei, seus decretos são acompanhados de seu cumpra-se.”29 Tal ensino é seguido por sua própria experiência pessoal. Ao referir-se à atitude que tomou ao avaliar o horário das 18:00 h como momento de adoração a Maria, ela declara:

Pai, como autoridade espiritual nesta nação, revogo o decreto de Roma e estabeleço um outro decreto...30

O milagre ocorre quando eu libero o poder do Espírito Santo. E então ocorrem milagres, pois as pessoas são transformadas.31

Esta não é uma característica isolada, mas é notada nos vários líderes que aderiram ao movimento,32 demonstrando ser um espírito da época. Contudo, não são apenas aqueles que estão com Deus que parecem gozar desse status. Quanto aos que se opõem ao G-12, afirma-se:

Pode-se dizer que o pastor que não entre nesta dimensão está matando o progresso do evangelho em sua área... Quem não se reproduz está afetando a possibilidade de conversão de milhares de vidas.33

É óbvio que os proponentes afirmam crer na soberania de Deus; contudo, suas propostas são inconsistentes com as doutrinas mais elementares da Escritura, como por exemplo a onipotência de Deus. Por esse caminho, a independência divina fica prejudicada e Deus se torna dependente da vontade humana. Além da relação com Deus, um outro aspecto no qual os líderes do G-12 expressam a sua divinização é quanto aos espíritos malignos. As ações dos espíritos malignos dependem da conduta humana: “Todo pecado é uma quebra de comunhão com Deus. Cada nível de pecado libera uma quantidade de demônios, cada pecado atrai uma maldição.”34 Assim, meus atos têm o poder de liberar (não se sabe bem de onde) demônios que estavam presos (não se sabe por quem ou para quê).

B. Soteriologia

A conseqüência final dessa exaltação humana é a descaracterização da pessoa e obra redentora de Deus e, por contraditório que pareça, a exaltação do homem e de Satanás. A segurança do crente é reduzida ao acaso, ou, na melhor das hipóteses, à sua conduta e autoridade espiritual. O fato de a Escritura nos ensinar que somos guardados por Deus (Sl 121) e que Jesus nos guarda (Jo 17.12) é totalmente negligenciado. Diante da perspectiva de guerra espiritual35 exarada pelos ensinos do G-12, os demônios alcançaram poder e posição de destaque, em algumas ocasiões acima de Deus.

Quando peco, abro uma porta de legalidade para que satanás entre com seu propósito, MATAR, ROUBAR E DESTRUIR... A maldição se infiltra por uma legalidade e abre a porta para que demônios venham sobre a vida da pessoa.36

É importante notar aqui que esta citação refere-se ao Encontro, onde se pressupõe que o participante, também chamado de encontrista, é convertido. Isso significa que Satanás tem poder para entrar na vida daquele que foi salvo por Cristo. Mais do que isso, a conduta pecaminosa é considerada uma obstrução ou impedimento para que Deus abençoe os seus filhos.

Por algum motivo, o modelo G-12 descreve o crente como um ser dividido entre Deus e o diabo. Pertencemos a Deus, mas o diabo exerce domínio sobre nós. O manual ainda afirma: “Para que haja cura interior são necessários dois passos: Romper o domínio de satanás sobre nós e tomar posse do que é nosso por direito.37

Isto nos conduz ao verdadeiro caráter da doutrina do movimento G-12, ou seja, seu dualismo, onde Deus e os demônios contendem em condições de igualdade. Em uma narrativa no mínimo pitoresca, Valnice descreve o projeto “Palácio da Rainha.”38 Em sua argumentação e pretensa interpretação bíblica, ela entende que Paulo não venceu a entidade pagã em Éfeso (Atos 19), mas apenas a enfraqueceu. Contudo, segundo ela, seguindo dados históricos, coube a João derrotar aquela entidade e conquistar Éfeso para Cristo. Esse domínio geográfico de Deus durou 200 anos, sendo depois a cidade conquistada por tal entidade. Ao explicar a razão para esse domínio, ela afirma: “Hoje Éfeso fica na Turquia, um país muçulmano. Há apenas cerca de 500 cristãos nascidos de novo naquele país. O que teria acontecido? Diana reconquistou seu trono.”39

Tomou-o das mãos de quem? Assim a obra redentora de Cristo é maculada pelo G-12, tornada sem efeito, uma vez que somos submetidos a uma salvação que depende de uma libertação posterior e de quebra de pactos e maldições não desfeitos na cruz de Cristo. Essa visão dualista nos dispõe a situações que fogem ao controle de Deus, e vivemos assim sob constante atuação demoníaca em nossas vidas.

Tais afirmações aproximam o G-12 mais do pré-gnosticismo do primeiro século que do cristianismo bíblico. Evidenciam a natureza sincrética do movimento e sua total incapacidade de mostrar a soberana obra redentora de Deus. A salvação é despida de seu caráter gracioso, e tanto ela como a vida cristã dependem dessa aventura humana no mundo espiritual. Tais pessoas não possuem autoridade para falar do evangelho da soberana graça de Deus.

Além de negar a obra redentora de Deus, o ensino do G-12 ainda se opõe à pessoa de Deus. Seus atributos são menosprezados, inclusive sua bondade, amor e justiça. Em um sessão de regressão, o ministrador do Encontro é orientado a conduzir seus encontristas a perdoar aqueles que os fizeram sofrer:

Em cada faixa etária, desde a infância até a vida adulta, o ministrador deverá instruir os encontristas a se lembrarem de momentos difíceis, amargos, traumatizantes, etc. Eles precisam liberar perdão às pessoas envolvidas em cada fase e até mesmo a Deus.40

Tal afirmação se baseia na hipótese de alguém estar magoado com Deus. Contudo, ela ignora a natureza santa e justa de Deus, bem como a sua imutabilidade, e acentua o caráter meritório do sofrimento humano.41

C. Eclesiologia

Por se tratar de um movimento que se propõe ser o modelo eclesiástico do próximo milênio, podemos definir este ponto como uma escato-eclesiologia. É notório que a motivação do G-12 é o crescimento vertiginoso da igreja. Isto a transforma em uma instituição ensimesmada, auto-centrada e escrava do pluralismo e pragmatismo religioso. Três pontos podem ser destacados nessa escato-eclesiologia.

Em primeiro lugar, usando os termos do próprio movimento, a igreja do século XXI será sobrenatural. Por sobrenatural entende-se o caráter místico e supersticioso42 dado ao movimento pelo neopentecostalismo. Aguarda-se para o próximo século o surgimento de sinais em abundância e o retorno aos milagres neotestamentários. Conforme as previsões de um líder:

Creio que brevemente seremos revestidos com a unção dos grandes e maravilhosos prodígios do Espírito Santo e nossa sombra curará com a de Pedro, e pela nossa palavra de ordem, mortos ressuscitarão e grandes fenômenos ocorrerão pela fé, em nome de Jesus.43

Além dos sinais miraculosos, espera-se um período de inúmeras revelações rotineiras, vistas como o “mover” de Deus. Isto implica em que no próximo milênio a igreja deverá abandonar seus dogmas, suas doutrinas, visto que será conduzida pelas revelações.

Em segundo lugar, a igreja do século XXI é vista como um cumprimento escatológico. O modelo G-12 se vê como o cumprimento profético. Como esperado, tais profecias não são encontradas nas escrituras, mas provém das revelações recebidas pelos proponentes do movimento. Senão vejamos:

Temos recebido a palavra no sentido de que nos anos vindouros haverá gente faminta por conhecer a mensagem da salvação; milhões e milhões correrão pelas ruas demonstrando seu desejo de saber de Cristo, e a única estrutura que permitirá estar preparados para isto é a igreja em células.44

As congregações do tipo paroquial, nas quais não há mais que 200 pessoas, não estarão no modelo, porque cada igreja será de no mínimo cem mil pessoas.45

Além de Castellanos, outros líderes do movimento e seus discípulos têm a mesma visão profética, a mesma expectativa triunfalista para o próximo século:

Tendo a convicção de que o modelo de Bogotá era a base para o modelo que Deus tem para nós, temos retornado às convenções para beber da fonte. Cremos que Deus deu ao Pr. César Castellanos o modelo dos doze que há de revolucionar a igreja do próximo milênio.46

Como filhos que somos de Deus Todo-Poderoso, seremos conhecidos nos céus como a geração das maiores conquistas e das maiores colheitas para o Reino de Deus. 47

Hoje estamos reformando a eclesiologia... Por isso creio que esse movimento é a complementação da primeira reforma. Creio que ele está varrendo os quatro cantos da terra hoje, numa proporção e numa velocidade muito maior que a reforma protestante do século XVI.48

Fica claro que o movimento se vê como um cumprimento profético, contudo, não das Escrituras, e sim das projeções e previsões feitas pelos seus proponentes.

Em terceiro lugar, a visão eclesiástica do movimento sofreu uma influência empresarial, e por essa razão aproximou-se de conceitos liberais. A divisão da igreja em ministérios administrativos e espirituais assemelha-se à visão liberal de Adolf Harnack acerca da igreja. Ele idealizou a divisão entre ministério religioso e ministério administrativo ou local.49 Castellanos afirma:

A igreja é a empresa mais importante de uma nação, pelo que o mesmo crescimento exigirá que haja dois setores no interior da igreja: um de caráter administrativo e outro relacionado ao ministério pastoral.50

Isto revela mais do que uma proposta teológica: expressa a influência empresarial da estrutura eclesiástica montada por Castellanos. Sua eclesiologia está mais próxima de um marketing de rede que do evangelho. O número 12 é a único elemento nessa estrutura que se relaciona com o evangelho. Mesmo assim, nenhuma parte do relato dos evangelistas nos ensina que os discípulos tiveram por sua vez exatos doze discípulos.

Seguindo uma tendência atual, a administração de Castellanos é centralizadora e sua eclesiologia é personalista. Negando evidências bíblicas, tanto do Novo como do Antigo Testamento (Dt 1; At 15; 1 Tm 1.6-16), Castellanos defende o fim de colegiados e assembléias, e propõe um sistema de governo totalitário e personalista:

A época das assembléias e dos comitês de anciãos para dar passos importantes na Igreja, já passou na história. Estou convencido de que Deus dá a visão ao pastor e nessa medida é a ele que o Espírito Santo fala, indicando-lhe até onde deve mover-se.51

Conclusão

O G-12 está longe de ser uma reforma, muito menos protestante. Esse movimento não protesta, mas se acomoda e se amalgama à filosofia da época. Surge como proposta inovadora, mas traz consigo doutrinas antigas. De fato, o G-12 e o Encontro tem prestado um tremendo desserviço à igreja evangélica no Brasil.

Finalizando, gostaria de mencionar o que podemos concluir acerca desse movimento. Em primeiro lugar, temos a certeza de que o movimento irá passar, como outras ondas neopentecostais. Todavia, como as demais ondas, é provável que muito de suas doutrinas e práticas permaneça em nosso meio. É necessário discutir o G-12; contudo, a discussão deve ir além das questões metodológicas do Encontro. Com ou sem regressão, o Encontro continuará a ensinar a necessidade de perdoar a Deus e outras coisas questionáveis. Devemos debater de forma mais ampla a presença das teologias neopentecostais e sua influência na vida e fé das igrejas evangélicas.

Em segundo lugar, é importante lembrar que o movimento revela a fragilidade do ensino nas igrejas evangélicas. Um vento de doutrina, com ensinos tão destoantes da Escritura, sequer é notado por membros dessas igrejas. O problema se agrava ao considerarmos que novas ondas nos esperam. Que Deus nos conduza à fidelidade à sua Palavra e à responsabilidade de lutar pela fé evangélica (Judas 3-4).

English Abstract

The article has a descriptive nature, dealing with the origin, purposes and rationale of a new movement in some Latin American evangelical circles, known as G-12 (groups of twelve). Relying on its most effective strategy, a week-end retreat called “Encounter,” the movement has influenced many congregations of several Brazilian denominations. Departing from the fact that the majority of the participants are unaware of the origins, historical development, and theological positions of the founders and promoters of the movement, the article aims to bring these issues to light, resorting to the main works of G-12 leaders. The movement presents itself as a solution to the problem of church growth and the adequacy of the church to the present time. It is presented as an eschatological fulfillment of God’s promises, as the divine project for the next millennium, in fact, as “the church for the next millennium.” The author seeks to demonstrate that the final result is a host of heresies not only contrary to Scripture but inconsistent among themselves, such as the theology of prosperity, positive confession, inner healing, hereditary curses, blessing and curse, etc. The article shows that G-12 is a clear example of contemporary neopentecostal theology and a threat to the central doctrines of the biblical faith.

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* O autor é ministro presbiteriano e professor de Novo Testamento no Seminário Presbiteriano Brasil Central, em Goiânia.

1 Essa afirmação, apesar de já popularizada entre os defensores das igrejas em células e do G-12, foi feita por Robert Lay, representante no Brasil de Touch Ministries, do pastor Ralph Neighbour. De acordo com Lay, a Reforma do Século XVI foi teológica, ao passo que as células representam a reforma estrutural da igreja. Revista Videira I:4 (Goiânia, dezembro 1999).

2 Ver Rene Terra Nova, na apresentação do Manual do Encontro (Manaus: Semente de Vida, 1999) e Valnice Milhomens, Plano Estratégico para a Redenção da Nação (São Paulo: Palavra da Fé, 1999), 11.

3 César Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo (São Paulo: Palavra da Fé, 1999), 59-60.

4 Milhomens, Plano Estratégico, 11.

5 Ibid,12.

6 Terra Nova, apresentação do Manual do Encontro.

7 Ver o site do MIR (Ministério Internacional da Restauração).

8 Manual do Encontro, 34.

9 Para maiores informações, ler apêndice contendo avaliação psicológica do encontro em Jôer Batista, Jocider Batista e Leonardo Saihum, G-12: História e Avaliação (Goiânia: Seminário Presbiteriano Brasil Central, 2000), 88-91.

10 Moisés Silva, “Abordagens Contemporâneas na Interpretação Bíblica,” Fides Reformata IV:2 (Julho-Dezembro 1999), 147.

11 Nas palestras do Manual do Encontro são feitas mais de 600 citações. Ver Batista, Batista e Sahium, G-12: História e Avaliação, 70.

12 Um bom exemplo dessa interpretação ambígua pode ser visto em Gordon D. Fee, Paulo, o Espírito e o Povo de Deus (São Paulo: United Press, 1997), ix.

13 Milhomens, Plano Estratégico,15-18.

14 Manual do Encontro, apresentação. Grifos meus.

15 Michael Bauman, Shrinking Texts: The Danger of Hermeneutics Under Freudian Auspices, JETS 31:3 (Setembro 1988), 293-303.

16 Manual do Encontro, 56.

17 Ver o interessante artigo de David Estrada Herrero, “Romanticism and Christianity,” Chalcedon Report 309 (Abril 1991), 2-10.

18 Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo, 56. Cláudia Castellanos, esposa de César, escreveu alguns capítulos do livro, entre os quais este. Mas é comum no livro ver Castellanos aplicar a si mesmo textos bíblicos históricos. Assim sendo, o chamado de Moisés é também o chamado de Castellanos.

19 Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo, 29. Grifo meu.

20 Ibid., 54. Grifo meu.

21 Ibid., 46.

22 Ibid., 53.

23 Milhomens, Plano Estratégico, 15.

24 Ibid., 8. Grifos meus.

25 Herrero, “Romanticism and Christianity,” 2-10.

26 Ibid., 8.

27 Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo, 24-25. Grifo meu.

28 Ibid. Grifos meus.

29 Milhomens, Plano Estratégico, 45.

30 Ibid., 27. Grifos meus.

31 Ibid., 119. Grifos meus.

32 Por exemplo, os pastores Antônio Lisboa, da Igreja Nova Aliança, e Aluízio Silva, da Igreja Videira. Suas posições podem ser conhecidas nas revistas Convergência e Videira, órgãos de divulgação de suas igrejas e idéias.

33 Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo, 80, 145.

34 Manual do Encontro, 66.

35 O movimento segue a perspectiva da Batalha Espiritual de Peter Wagner, Neuza Itioka, Cindy Jacobs e outros.

36 Manual do Encontro, 46, 49.

37 Manual do Encontro, 94. Grifos meus.

38 O projeto tem à frente Peter Wagner, que irá até a Turquia libertar aquela região de seus espíritos, através de uma operação chamada “Palácio da Rainha.”

39 Milhomens, Plano Estratégico, 31.

40 Manual do Encontro, 98. Grifo meu.

41 Batista, Batista e Sahium, G-12: História e Avaliação, 49.

42 Ver Samuel Vieira, O Império Gnóstico Contra-Ataca (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), 94-95.

43 Antônio Lisboa, Convergência 2000, revista da Igreja Nova Aliança em Células, I:1 (1999).

44 Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo,146.

45 Ibid.,145.

46 Milhomens, Plano Estratégico, 12.

47 Lisboa, Convergência 2000.

48 Entrevista de Robert Lay à revista Videira, da Igreja Videira, Ano I, Nº 4.

49 Herman Ridderbos, Paul: An Outline of his Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), 439.

50 Castellanos Domínguez, Sonha e Ganharás o Mundo, 146.

51 Ibid.

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